segunda-feira, 28 de abril de 2008

análise: Manuel Bandeira - por luiz cézar cordeiro

Caros alunos e caras alunas,

Conforme prometido, eis abaixo uma pequena análise do livro Melhores Poemas de Manuel Bandeira. Espero que possa ajudá-lo(a)s de alguma forma.

Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira


Toda vida de Manuel Bandeira está como que refletida na sua poesia. Talvez, não exista (...) exemplo maior de transposição para o plano artístico de uma experiência pessoal (...) – Francisco de Assis Barbosa.

Manuel Bandeira foi um exemplo típico, dentro da Literatura Brasileira, de como que a vida e obra do autor podem se confundir, se entrelaçar. Mas, não foi somente da vida do autor que a poesia de Manuel Bandeira se constituiu. Há que se atentar para a colaboração de seus versos para o início do Modernismo.

Ou seja, é importante analisar sua poesia, não apenas de acordo com sua vida, mas é importante relaciona-la com a escola literária predominante na época e que Manuel Bandeira ajudou, indiretamente, a difundir.

A obra Melhores Poemas reúne, segundo a visão de Francisco de Assis Barbosa[1], os poemas que recebem melhor destaque dentre a obra de Manuel Bandeira. Cerca de 98 poemas compõe esta coletânea e o que se pode notar é um apanhado de poesias que contempla todos os livros do poeta, desde A cinza das horas até Alumbramentos.

É importante notar que, mesmo tratando-se de uma coletânea, as poesias têm um diálogo constante, pois temas como morte, infância e utopia são muito recorrentes.

Logo no primeiro poema “Desencanto”, o poeta descreve com tristeza e utilizando recursos metalingüísticos[2] como ele cria uma poesia, ou seja, como quem chora, com um acre sabor na boca ou como quem morre.(p.17). Veja neste pequeno trecho do poema:

“Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

(...)

— Eu faço versos como quem morre.”

Já no último poema “Programa para depois de minha morte”, sem utilizar de recursos metalingüístico, mas de um simplicidade comovente, ele descreve a sua vontade quando ir para vida de aquém-túmulo (p.168):

“Depois de morto, quando eu chegar ao outro mundo,
Primeiro quererei beijar meus pais, meus irmãos, meus avós, meus tios, meus primos.
Depois irei abraçar longamente uns amigos – Vasconcelos, Ovalle, Mário... (...)”

Para facilitar sua vida de vestibulando, vamos abaixo caracterizar, de forma resumida e não-definitiva, a obra de Manuel Bandeira:

Características:

  • Poesia do Modernismo – 1ª fase;
  • Linguagem simples, cotidiana e em vários poemas, prosaica;
  • Predominância de versos brancos e versos livres;
  • Temas recorrentes:
  • Morte;
  • Infância (saudade / nostalgia);
  • Metalinguagem;
  • Sensualidade;

É possível notar algumas destas características nos poemas abaixo:

Os sapos

[...]
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: “Meu cancioneiro
É bem martelado.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos
A formas a forma.

No trecho deste poema “Os sapos”, nota-se um crítica feroz à literatura em voga no início do século XX: Parnasianismo. Essa crítica foi adotada pelos primeiros Modernistas.

Usando de recursos como ironia, sarcasmo e paródia, essa poesia lembra um poema do poeta Parnasiano Olavo Bilac, intitulado “A um poeta”:

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
E a força e a graça na simplicidade.

Olavo Bilac


Desta forma, esta poesia de Manuel Bandeira contribuiu de forma significativa na Semana de Arte Moderna, que foi um marco histórico e de início do Modernismo e, consequentemente, com os “ideais” do Modernismo de combate à Literatura Passadista e proposta de uma Literatura de caráter nacional.

Outro poema que ilustra essa nova concepção literária é “Poética”:

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas

Verifica-se neste poema, a posição modernista quanto à concepção da poesia lírica. Contrária ao rigor formal e temático dos parnasianos, a poesia bandeiriana e, por conseguinte, toda a fase libertária do primeiro momento modernista.

Porém, Manuel Bandeira não foi um participante ativo do Movimento Modernista. Por isso, é importante não ficar apenas com esta impressão a cerca da poesia de Bandeira.

Conforme o início deste texto, vimos que sua vida e sua obra se confundem. Assim, em vários poemas, o tema da morte aparece, conforme vimos no primeiro poema desta obra.

Outras temáticas são recorrentes, como por exemplo o caso da nostalgia, sentimento advindo de uma infância feliz, sem as complicações da doença crônica de Bandeira.

Verifica-se isto no poema Profundamente, conforme trecho abaixo:

Profundamente

[...]

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de são João
Porque adormeci
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Nota-se um sentimento de tristeza quando o poeta se lembra de um tempo “que não volta mais”: quando eu tinha seis anos...

Outro tema recorrente é a sensualidade. Muitas vezes expressada por um sentimento de impossibilidade de alcance do desejo sexual, em virtude dos problemas de saúde que impedem o poeta de ter um vida social e afetiva comum.

Maçã

Por um lado te vejo como um seio murcho
Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordão placentário
És vermelha como o amor divino
Dentro de ti em pequenas pevides
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente
E quedas tão simples
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel.

Observa-se a analogia entre maçã e o corpo feminino ou suas partes mais sensuais. Neste caso, nota-se mais uma vez, a simplicidade na escrita, na construção dos versos, mas de um riqueza de imagens impressionantes.

Por último, uma de suas poesias mais conhecidas: “Vou-me embora pra Pasárgada”, onde o tema da fuga torna-se evidente, através da criação de um lugar perfeito, ideal para uma vida plena do poeta:

Vou me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

[...]

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Portanto, é importante relembrar que a obra Melhores poemas de Manuel Bandeira reúne poemas de toda a sua vida literária. Por isto, há uma reunião de vários temas e características dispares entre os poemas.

Mas, não se esqueça que as poesias aqui devem ser relacionadas, guardadas as proporções, às características primordiais do Modernismo, de liberdade de criação, superação de modelos arcaicos da Literatura Nacional e proposta de uma nova concepção de poesia.

Ao mesmo tempo, sua poesia não deve ser separada de sua vida. Desta forma, poesias que expressam um sentimento íntimo com a morte são derivados da triste experiência de Bandeira com uma doença, em seu contexto histórico, praticamente irreversível.

[1] Francisco de Assis foi o estudioso em Manuel Bandeira que fez a seleção dos poemas desta obra.

[2] Metalinguagem: Segundo Thaís N. de Camargo Metalinguagem é a propriedade que tem a língua de voltar-se para si mesma, é a forma de expressão dos dicionários e das gramáticas. O significado do termo, entretanto, ampliou-se e hoje o encontramos associado aos vários tipos de linguagem. Veja esta explicação na íntegra , consulte http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u1745.shtml