Conforme prometido, eis abaixo uma pequena análise do livro Melhores Poemas de Manuel Bandeira. Espero que possa ajudá-lo(a)s de alguma forma.
Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira
Toda vida de Manuel Bandeira está como que refletida na sua poesia. Talvez, não exista (...) exemplo maior de transposição para o plano artístico de uma experiência pessoal (...) – Francisco de Assis Barbosa.
Manuel Bandeira foi um exemplo típico, dentro da Literatura Brasileira, de como que a vida e obra do autor podem se confundir, se entrelaçar. Mas, não foi somente da vida do autor que a poesia de Manuel Bandeira se constituiu. Há que se atentar para a colaboração de seus versos para o início do Modernismo.
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
(...)
— Eu faço versos como quem morre.”
“Depois de morto, quando eu chegar ao outro mundo,
Primeiro quererei beijar meus pais, meus irmãos, meus avós, meus tios, meus primos.
Depois irei abraçar longamente uns amigos – Vasconcelos, Ovalle, Mário... (...)”
- Poesia do Modernismo – 1ª fase;
- Linguagem simples, cotidiana e em vários poemas, prosaica;
- Predominância de versos brancos e versos livres;
- Temas recorrentes:
- Morte;
- Infância (saudade / nostalgia);
- Metalinguagem;
- Sensualidade;
É possível notar algumas destas características nos poemas abaixo:
Os sapos
[...]
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: “Meu cancioneiro
É bem martelado.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
No trecho deste poema “Os sapos”, nota-se um crítica feroz à literatura em voga no início do século XX: Parnasianismo. Essa crítica foi adotada pelos primeiros Modernistas.
Usando de recursos como ironia, sarcasmo e paródia, essa poesia lembra um poema do poeta Parnasiano Olavo Bilac, intitulado “A um poeta”:
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.
Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:
Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
E a força e a graça na simplicidade.
Olavo Bilac
Desta forma, esta poesia de Manuel Bandeira contribuiu de forma significativa na Semana de Arte Moderna, que foi um marco histórico e de início do Modernismo e, consequentemente, com os “ideais” do Modernismo de combate à Literatura Passadista e proposta de uma Literatura de caráter nacional.
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
Abaixo os puristas
Verifica-se neste poema, a posição modernista quanto à concepção da poesia lírica. Contrária ao rigor formal e temático dos parnasianos, a poesia bandeiriana e, por conseguinte, toda a fase libertária do primeiro momento modernista.
[...]
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de são João
Porque adormeci
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
Nota-se um sentimento de tristeza quando o poeta se lembra de um tempo “que não volta mais”: quando eu tinha seis anos...
Maçã
Por um lado te vejo como um seio murcho
Pelo outro como um ventre de cujo umbigo pende ainda o cordão placentário
Palpita a vida prodigiosa
Infinitamente
Ao lado de um talher
Num quarto pobre de hotel.
Por último, uma de suas poesias mais conhecidas: “Vou-me embora pra Pasárgada”, onde o tema da fuga torna-se evidente, através da criação de um lugar perfeito, ideal para uma vida plena do poeta:
Vou me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas, não se esqueça que as poesias aqui devem ser relacionadas, guardadas as proporções, às características primordiais do Modernismo, de liberdade de criação, superação de modelos arcaicos da Literatura Nacional e proposta de uma nova concepção de poesia.
Ao mesmo tempo, sua poesia não deve ser separada de sua vida. Desta forma, poesias que expressam um sentimento íntimo com a morte são derivados da triste experiência de Bandeira com uma doença, em seu contexto histórico, praticamente irreversível.
[1] Francisco de Assis foi o estudioso em Manuel Bandeira que fez a seleção dos poemas desta obra.
[2] Metalinguagem: Segundo Thaís N. de Camargo Metalinguagem é a propriedade que tem a língua de voltar-se para si mesma, é a forma de expressão dos dicionários e das gramáticas. O significado do termo, entretanto, ampliou-se e hoje o encontramos associado aos vários tipos de linguagem. Veja esta explicação na íntegra , consulte http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u1745.shtml